Vou lhe contar uma história ou estória?
E agora? Você também já se viu às voltas com essa dúvida cruel?
Pois bem, você, mais uma vez, não está sozinho(a)! Perdi as contas de quantas vezes respondi a essa questão ao longo desses quase 12 anos de magistério! Será que existe a palavra "estória"? (Porque "história", temos certeza, existe! E nomeia uma ciência humana muito importante, inclusive!) Vamos entender melhor a questão que ora se nos apresenta.
Vários dicionaristas registram apenas o vocábulo "história", condenando o uso da forma "estória", cristalizada em algum momento do uso popular da língua.
Sim, muitas pessoas, durante seus anos escolares, aprenderam que "estória" se opõe à "história" por se referir a um enredo de ficção, imaginado e não vivido por alguém. Seguindo esse raciocínio, a palavra "história" seria empregrada, então, apenas como sinônimo de "relato", conjunto de fatos reunidos num enredo efetivamente vivido, experienciado por alguém. Como os contos de fadas, por exemplo, são fantasiosos, eles constituiriam aquilo a que alguns chamariam "estórias", não "histórias". Já aquilo que lemos nos livros de "História", teoricamente, é real, justificando a nomenclatura que lhe é atribuída.
Verdade ou mito? Mito, minha gente! E vamos entender o porquê.
Em relação a mais esse quiprocó da nossa língua quero, de início, registrar minha posição pessoal: concordo com o que registra o dicionário Aurélio e uso apenas a forma "história" para me referir a enredos reais ou imaginários, indistintamente. Por quê? Segundo o professor Sérgio Rodrigues: "... a fronteira entre história real (história) e história inventada (estória) me parece fluida demais para tornar funcional a adoção de dois vocábulos. Todo mundo sabe – ou deveria saber – que a história, bem espremida, é cheia de “estórias”. E vice-versa. Acho mais inteligente deixar a distinção a cargo do contexto."
Um dado curioso, ainda segundo o mesmo autor, é que "contrariando o que muitos imaginam, estória não é um anglicismo relativamente recente (do século 20), mas uma palavra mais antiga do que história – e, a princípio, com o mesmo significado. É o que informa também o Houaiss: estória foi registrada no século 13 e história, no 14. O melhor dicionário brasileiro acrescenta que, como sinônimo perfeito da segunda, a primeira caiu em desuso, sobrevivendo, hoje, como um regionalismo brasileiro que significa 'narrativa de cunho popular e tradicional'. O que me parece ao mesmo tempo vago e restritivo."
São ensinamentos interessantes de Rodrigues também os seguintes: "Resta a questão da origem da palavra estória, que o Houaiss, embora situando o fato sete séculos antes do que acredita o senso comum, confirma ser o inglês story, também esta uma palavra do século 13. No entanto, vale a pena considerar a hipótese de estória ter derivado – do mesmo modo que story, aliás – do francês arcaico storie, entre outras razões, por sua razoável precedência: data de 1105."
Os adeptos do uso de estória, conforme atestam alguns estudiosos da língua, são minoritários. E um ilustre representante das nossas letras parece ter responsabilidade parcial por essa escolha: o renomado autor regionalista Guimarães Rosa, que usou a palavra no título de um livro, “Primeiras estórias”, datado de 1962 (cujo primeiro conto, inclusive, começa com a frase “Esta é a estória”). Destarte, penso que não podemos dizer que os que grafam estória estejam desprovidos de credenciais - ao menos literárias, deixemos claro!
Assim, para ser ortograficamente correto, prefira grafar "história" em contextos oficiais, que exijam o emprego da famigerada norma culta. Em contextos mais intimistas, que possibilitem expressão mais livre, artística e solta, a escolha, claro, fica a seu critério! Afinal de contas, como diz o sábio Luís FernandoVeríssimo: "A gramática tem que apanhar muito pra aprender quem é que manda!"
E tenho dito.
Professor Daniel Vícola
Nenhum comentário:
Postar um comentário