segunda-feira, 28 de março de 2011

VALE EMPRESTAR AS PALAVRAS DE OUTRO IDIOMA?


Em matéria de língua não há propriedade privada; tudo é socializado.
(Roman Jakobson)

Diante das palavras desse que se tornou um dos maiores linguistas do século XX, impossível deixar de refletir sobre o caráter dinâmico da língua, das linguagens e dos códigos de que nos utilizamos para construir nossos atos de comunicação. Basta parar para pensar sobre o seguinte: à medida que o tempo passa, novos vocábulos vão se incorporando ao nosso discurso e permitindo que os relacionamentos humanos adquiram um perfil cada vez mais ativo, dinâmico e complexo. Para ilustrar o fenômeno que estamos aqui descrevendo, analisemos alguns fragmentos de uma canção intitulada "Samba do Approach", de autoria de dois conhecidos "Zecas": o Pagodinho e o Baleiro:

Venha provar meu brunch
saiba que eu tenho approach
na hora do lunch
eu ando de ferryboat

Eu tenho savoir-faire
meu temperamento é light
minha casa é hi-tech
toda hora rola um insight

Já fui fã do Jethro Tull
hoje me amarro no Slash
minha vida agora é cool
meu passado é que foi trash

Venha provar meu brunch
saiba que eu tenho approach
na hora do lunch
eu ando de ferryboat
[...]

Não dispenso um happy end
quero jogar no dream team
de dia um macho man
e de noite drag queen

Venha provar meu brunch
saiba que eu tenho approach
na hora do lunch
eu ando de ferryboat

E não pensem que o que essa letra tão bem humoradamente ilustra representa algo inédito, pois desde os mais remotos tempos observamos esses empréstimos linguísticos acontecerem e serem amplamente utilizados na linguagem informal, cotidiana. Não é de hoje que vamos pinçando, aqui e ali, uma palavrinha ou outra no vocabulário de outros povos, misturando-os ao nosso falar, apropriando-nos do que não é nosso. Basta pensar, séculos atrás, na alta incidência de palavras oriundas de línguas estrangeiras, mais precisamente de línguas célticas, germânicas e árabes no decorrer da formação da língua portuguesa, ainda na Península Ibérica. Logo após, com o advento das grandes navegações, empréstimos provenientes de línguas europeias, africanas, americanas e asiáticas tiveram seu destaque e nos regalaram suas contribuições.
Atualmente, o que se pode constatar com extrema recorrência são os empréstimos derivados do inglês norte-americano, difundidas em sua forma original ou até mesmo aportuguesadas. É, você nunca parou pra observar que, de tão usadas e repetidas, algumas palavras estrangeiras acabaram sendo aportuguesadas? Passando por um processo de aportuguesamento fonológico e gráfico, só para ficarem com a "carinha" do nosso idioma materno? Espia só: temos o bife (beef), futebol (football), xampu (shampoo) e tantas outras, tão presentes no nosso cotidiano que as proferimos sem ao menos nos darmos conta de que se tratam de estrangeirismos, concebendo-as, muitas vezes, como se fossem genuinamente portuguesas. Vale alertar para o seguinte, moçada: quando mantidas sob a forma original, sobretudo quando se trata da linguagem escrita, essas palavras devem ser destacadas pelas aspas. No caso da imprensa, normalmente são retratadas em itálico.
Se há problemas em utilizar esses empréstimos no seu dia-a-dia? Nenhum, ora pois! Basta de ter bom senso e demonstrar inteligência e criatividade ao fazê-lo. O contexto informal nos permite uma série de possibilidades expressivas das quais temos de nos utilizar quanto e como quisermos, sempre enriquecendo nosso discurso.
Agora, se tais usos revelarem, pela sua excessiva ocorrência ou por certo pedantismo, alguma sorte de "subserviência cultural", daí sim poderemos dizer que eles são totalmente out e nada têm a acrescentar à comunicação.
Como este é um blogue voltado para o estudo gramatical, cumpre, ainda, ressaltar o seguinte: em contextos formais, caso haja a necessidade, as formas a que você deve sempre dar preferência são aquelas que já foram aportuguesadas, certo?
No mais, see you next time, guys! ;-)

Professor Daniel Vícola

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